Veto a compensação automática de dívida ativa favorece venda de precatórios
O veto do Supremo Tribunal Federal ao abatimento automático pela Fazenda Pública dos precatórios de devedores com inscrição na dívida ativa deverá dar maior segurança ao mercado de cessão desses créditos.
12/5/20244 min read


O entendimento de que a compensação obrigatória é inconstitucional não inibe, porém, a capacidade das procuradorias de reaver débitos e de fazer acordos de abatimento em troca dos precatórios, de acordo com a avaliação dos advogados especializados no tema ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
O uso de dívidas com a Fazenda na compensação de precatórios era previsto pelos parágrafos 9º e 10º do artigo 100 da Constituição Federal, incluídos nela pela Emenda Constitucional 62/2009. De acordo com os dispositivos, se o credor dos precatórios tivesse débitos com o Fisco, tais valores deveriam ser descontados do total estipulado pela Justiça. A Fazenda tinha 30 dias para informar a existência das dívidas.
Na última terça-feira (26/11), o Plenário do STF encerrou, contudo, um julgamento de repercussão geral (RE 678.360) em que decidiu, por unanimidade, pela inconstitucionalidade da previsão acrescida pela EC 62/09.
A tese vencedora é do relator do caso, ministro Luiz Fux. Segundo o magistrado, a compensação de débitos inscritos em precatórios é um “instrumento de justiça e de eficiência na disciplina das relações obrigacionais”. Contudo, é inadequado o abatimento feito de forma unilateral, “em proveito exclusivo da Fazenda Pública”.
Entendimento reafirmado
A advogada Maricí Giannico, sócia de Contencioso e Arbitragem do escritório Mattos Filho, diz que a tese não inova: “É preciso lembrar que o STF já havia analisado anteriormente a matéria e declarado inconstitucional o regime de compensação de débitos/créditos via precatório, quando do julgamento das ADIs nº 4.357, 4.425 e 7.064”.
Ainda assim, a decisão corrige ilegalidades, segundo ela. “Não raras as vezes, os precatórios expedidos são travados com a indicação de débitos em desfavor dos contribuintes, o que não poderá mais impedir o seu processamento.”
Marcio Brotto de Barros, presidente da Comissão Especial de Precatórios do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partilha do entendimento. “A redação anterior permitia a compensação de créditos que sequer estavam inscritos em dívida ativa, o que se configura em inconstitucionalidade ainda mais gritante, pois, em tese, a administração exerce um controle de legalidade do crédito no ato da inscrição em dívida ativa.”
Gustavo Bachega, que preside o Instituto Brasileiro de Precatórios (IBP), afirma que o julgado do STF também dá maior segurança jurídica ao crescente mercado secundário de venda de precatórios, nos quais o cedente repassa o crédito, por um valor menor, a um terceiro que esteja disposto a aguardar pelo pagamento.
“A possibilidade de que o valor dos precatórios fosse compensado de forma unilateral pela Fazenda Pública criava uma incerteza significativa. Isso ocorria porque, nos casos em que o credor possuía dívidas com a União, esses precatórios se tornavam menos atraentes para negociação no mercado secundário”, explica Bachega.
Maricí concorda: “Em muitos casos, é estrategicamente interessante ao cedente não comunicar de imediato a cessão nos autos do processo. Com isso, o precatório fica, por algum tempo, sob a sua titularidade. Se a compensação fosse possível, o cessionário correria o risco de ver o precatório que adquiriu compensado com um débito do cedente”.
Cobrança pela Fazenda Pública
O advogado Lázaro Reis Pinheiro Silva, que é também professor e pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), diz que o veto à compensação obrigatória não impede as procuradorias da Fazenda Pública de usarem a estratégia de abatimento voluntário.
Em São Paulo, por exemplo, essa tem sido uma aposta da Procuradoria-Geral do Estado. Em 2018, apenas R$ 99,5 mil haviam sido abatidos de dívidas fiscais. Já neste ano, foram mais de R$ 325 milhões.
“Inclusive, na questão de ordem da ADI 4.425, o STF delegou competência ao Conselho Nacional de Justiça para que considerasse a apresentação de proposta normativa disciplinando a possibilidade de compensação de precatórios vencidos, próprios ou de terceiros, com o estoque de créditos inscritos em dívida ativa até 25/03/2015, por opção do credor do precatório, possibilidade também prevista na EC 94/2016”, explica o advogado.
“Posteriormente, a EC 99/2017 fixou prazo para que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios regulamentassem referida faculdade de compensação em até 120 dias, a partir de 1º janeiro de 2018, prazo após o qual a compensação poderia ser exercitada independentemente da regulamentação pelo ente devedor”, acrescenta Lázaro Reis, sobre a importância da compensação em um ambiente de consensualidade tributária.
Bachega reafirma o entendimento: “A ausência de uma compensação unilateral não impede que um devedor da União, que também seja credor, utilize o benefício de compensação conforme previsto pelo Decreto nº 11.249, de 9 de novembro de 2022. Este decreto regulamenta o procedimento para a oferta de créditos líquidos e certos, resultantes de decisões judiciais transitadas em julgado, conforme estipulado no § 11 do art. 100 da Constituição”.
Já os outros dois especialistas rejeitam que o veto à compensação obrigatória dos precatórios possa, eventualmente, privilegiar devedores contumazes inscritos na dívida ativa. “Apesar de a compensação gerar celeridade na resolução das pendências de parte a parte, a Fazenda tem outros meios suficientes para cobrar seus créditos e liquidar precatórios”, afirma Maricí Giannico.
“Com as ferramentas tecnológicas existentes, não há dúvidas de que a Fazenda Pública, cada vez mais diligente na cobrança dos seus créditos, não terá dificuldades para cobrar, de maneira eficaz, tais créditos, desde que, logicamente, esses sejam líquidos, certos e exigíveis, como exige o CPC (Código de Processo Civil) e a Lei de Execuções Fiscais (6.830/1980)”, argumenta Brotto de Barros.
“O que efetivamente não se pode admitir é a frustração do direito perseguido por um particular, que muitas vezes tem natureza alimentar, pela mera existência de um crédito da Fazenda Pública que, em muitas situações, sequer é devido”, complementa o advogado.
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